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fev 07

O Encontro de Jesus e Miriam de Migdol

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Foi no mês de junho quando O vi pela primeira vez. Ele caminhava no campo de trigo quando passei com minhas criadas; Ele estava só. O ritmo de Seus passos era diferente do caminhar dos outros homens e os movimentos do seu corpo em nada se assemelhavam aos que eu vira antes. Os homens não calcam a terra daquela maneira. E mesmo agora não sei se Ele caminhava depressa ou lentamente. Minhas criadas apontaram o dedo para Ele, e cochicharam entre si. Eu sustei meus passos por um momento e levantei minha mão para saudá-Lo, mas Ele não olhou para mim. E eu O odiei. Senti-me repelida para dentro de mim mesma, e tive tanto frio como se estivesse em um monte de neve. Eu tremia. “Naquela noite, vi-O em meu sonho; e disseram-me, depois, que eu gritava dormindo e me agitava no leito”.

Foi no mês de agosto que O vi novamente, através da minha janela. Estava sentado à sombra do cipreste, em meu jardim. Sua boca era como o coração de uma romã. E Ele era amável como um homem consciente de sua força. Era como a noite sem trevas e como o dia sem sombras. Estava tão imóvel como se tivesse sido entalhado na pedra, como as estátuas de Antioquia e de outras cidades do norte. Minha escrava egípcia veio até mim e disse: “Aquele homem está aqui de novo. Está sentado ali, em vosso jardim”. Olhei para Ele e minha alma estremeceu dentro de mim, pois Ele era belo. “E lembro-me Dele medindo o anoitecer com Seus passos. Não caminhava. Ele próprio era uma estrada sobre a estrada. E era como uma nuvem sobre a terra, que baixa para refrescar a terra. Mas quando me achei diante Dele e falei-Lhe, Ele era um homem, e Sua face era poderosa à vista. E Ele me disse: “Que queres Miriam? ”Ia responder-lhe, mas minhas asas envolveram meu segredo, e senti-me quente”. E porque não podia suportar mais Sua luz, voltei-me e afastei-me, mas não envergonhada. Estava somente acanhada, e queria estar só, com Seus dedos nas cordas do meu coração. Seria a minha solidão, ou seria Sua fragrância, que me impelia para Ele? Havia uma fome em meus olhos que desejava a beleza e a luz dos seus olhos! “Ainda hoje não o sei”. “Caminhei para Ele com meu vestido perfumado e minhas sandálias douradas que o capitão romano me deu. Quando O alcancei, disse-Lhe: “Bom dia para Vós”. E olhou para mim, e Seus olhos-de-noite me viram como nenhum outro homem jamais me tinha visto. E subitamente senti-me como se estivesse despida, e fiquei envergonhada”.

Todavia, Ele só me dissera “Bom dia”. E então eu lhe disse: “Não queres entrar em minha casa?” – e Ele disse: “Não estou já em tua casa?”. Eu não sabia então o significado daquelas palavras, mas agora eu sei.

Eu disse: “Não queres dividir o vinho e o pão comigo?”. E Ele: “Sim Miriam, mas não agora”. Não agora, não agora.

E a voz do mar, do vento e das árvores estavam nestas duas palavras. E quando ele acabou de pronunciá-las era como se a vida falasse à morte.

Pois creia, meu amigo, eu estava morta. Eu era uma mulher que se tinha divorciado de sua alma. Vivia eu separada deste ‘eu’ que agora vês. Eu pertencia a todos os homens, e a nenhum. Eles me chamavam de prostituta, uma mulher possuída por sete demônios. Eu era amaldiçoada, e ao mesmo tempo era invejada, que contradição.

Mas quando Seus olhos de aurora fitaram os meus olhos, todas as estrelas da minha noite desvaneceram, e eu me tornei Miriam, só Miriam, uma mulher perdida para a terra que conhecera, que encontrava, agora, a si mesma em outros lugares.

E novamente eu Lhe disse: “Venha até minha casa, dividir o vinho e o pão comigo”. Ele disse: “Por que me convidas para ser teu hóspede?” – E eu disse: “Eu te convido para que entres em minha casa”. E tudo em mim clamava por Ele. Então Ele olhou para mim e Seus olhos estavam sobre mim, e disse: “Tens muitos amantes e, todavia, só Eu te amo”. Os outros homens amam a si mesmos em tua intimidade. Eu amo-te por ti mesma. Outros homens vêem em ti a beleza que desvanecerá mais cedo que seus próprios anos. Mas Eu vejo em ti a beleza que não desvanecerá, e que no outono de teus dias não receará olhar-se no espelho, e não será ofendida. “Só Eu amo o que é invisível em ti. Eu te conheço desde a fundação do mundo”.

E eu gritei, novamente, para Ele: “Mestre, venha à minha casa. Tenho incenso para queimar para ti, e uma bacia de prata para teus pés. Tu és um estranho e, todavia não és um estranho. Rogo-te, vem à minha casa”. Então Ele se levantou e olhou para mim como as estações do ano devem olhar para os campos, sorriu, e novamente disse: “Todos os homens te amam por eles mesmos. Eu te amo por ti mesma” fique em paz! Em seguida, saiu caminhando.

E uma brisa surgida no meu jardim, soprando para o leste bocejou meu rosto. Seria esse encontro uma tempestade profetizada há tempos para sacudir tudo, até as fundações escondidas em mim? Eu não sabia… Mas nesse dia em que o ocaso de seus olhos matou o dragão que havia em mim, eu me tornei uma mulher arrependida e perdoada, me tornei amada de Jesus, apesar de todos os pecados que gerei. Eu me tornei Maria Madalena.

Gibran Kalhil Gibran

P/ João Bosco de Melo

Texto extraído e adaptado do livro: Jesus o Filho do Homem, do autor supra citado.

Dores de Campos, 05 de fevereiro de 2013.

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