O que dizer de uma Semana que pretende ser Santa, apesar de tanta violência, de tantas atrocidades acontecendo, simultaneamente, em torna a esta. Mas mesmo assim ela nos permite momento de reflexões e aprendizados, pois contém, sintetizados em si, acontecimentos de um tempo remoto, repletos de setas a nos indicar o caminho da salvação. Alguém já disse que o homem é um produto que não deu certo, pois contém em si o germe da destruição, o germe da capacidade do “não amar”, a isso Thomas Hobbes já asseverava em sua obra Leviatã, apesar da contraposição de Jean-Jacques Rousseau, que assevera, por sua vez, que o homem é produto da sociedade em que vive. Sempre parto dessas duas primícias, pois ambas, as teorias, se enlaçam num entendimento profundo e complexo da natureza humana, pois se o homem é produto da sociedade, essa por sua vez é o reflexo dos anseios do homem. Se observarmos, através do Bíblia, no início de tudo, Deus a passear, distraidamente de sua onisciência, pela brisa da tarde, do Paraíso, não percebeu a transgressão que ali acontecia, que originaria todo os descaminhos, que levaria a humanidade, ainda hoje, ao desequilíbrio social.
Se traçarmos uma linha do tempo, desde a Gênesis, constataremos o germe da maldade, “a inveja”, já nos primeiros exemplares da raça humana, quando do fratricídio (Caim matando Abel). Desde então a humanidade vem se sucumbindo a esse mal, gerador de todos os outros, pois tudo começa ao nos indispor e a nos achar inferior, ao outro. Com tantos avanços, o homem não se atentou pelo social, pela partilha, pelo entender que tudo pertence a todos e não, apenas, a uma minoria. Incapacitados desse entendimento, os desvios de conduta como meta de açambarcar as benesses, o mal continua a conspurcar os caminhos que nossa sociedade segue. Hoje a busca do lucro, vem desprezando a construção de um mundo idealizado, por um Deus que, conforme o supracitado, passeava despreocupadamente feliz, pela brisa da tarde. Assistimos, impotentemente, alienadamente, o mundo a se tornar “cinicamente” desumanos ante uma legião vitimada pelo flagelo da fome, do descaso, da violência, da guerra. A desumanidade vem se tornando, a cada dia mais latente e o que é pior, está se tornando uma coisa usual, comum, aceitável. Os algoritmos, a inteligência artificial, avançam, a cada dia, e ninguém se atém ao perigo dessa tecnologia, quando as crises sociais, tende a se agravar, pois, a isso, o ser humano tende a ser segregado, porém todos estão entretidos, deslumbrados, ninguém está preocupado em entender e atender os seus anseios imediatos.
Castro Alves o disse, já em “Vozes D’Africa”, o homem ao se reconhecer alimária, da cupidez humana, clama pela justiça de Deus há mais de dois mil anos:— …Deus, oh Deus, onde estás que não me repondes? Em que mundo em qu’estrela Tu escondes, embuçado no céu? Há dois mil anos te mandei meu grito, que embalde, então, corre o infinito…onde estás Senhor Deus?… Em meio a esses dois mil anos Deus se repartiu em três, e se fez, através de um “Sim”, de maneira concreta, em segunda Pessoa, para habitar em meio a todos nós, e através de suas prédicas a nos mostrar o caminho da salvação, da dignidade e as relações do bom viver. A isso nossa cidade reviveu, em 01 Semana, os últimos passos de Jesus, o Cordeiro, que se fez imolar por todos os nossos pecados, por todas as nossas culpas, desde a transgressão dos primeiros exemplares da raça humana: Adão e Eva.
Para um maior entendimento, nas semanas que precedem os acontecimentos finais, didaticamente e de maneira ostensiva Pe. João Rodrigues veio pontuando pelas reflexões oferecidas, através das muitas Vias Sacras, tanto na Matriz, quanto pelas ruas de nossa cidade, as 14 estações dos últimos momentos da vida de Jesus, rumo à sua crucificação, rumo à nossa salvação. Valendo ressaltar que a essa primeira (dentro da Matriz) a via Sacra se integrou à Campanha da Fraternidade “Fraternidade e Fome—”Dai-lhe vós mesmo o de comer”, como forma de provocar e reacender o compromisso social ante a violência da Fome. E na sequência o “Setenário das Dores de Maria”, reafirmando a importância, Desta, no processo da salvação, pois nós sabemos e aprendemos, desde a nossa infância: —“Não existe Jesus, sem Maria”.E na Semana Santa, que mostraria a culminância dos acontecimentos, tivemos as tradicionais procissões, fazendo de nossas ruas, as ruas de uma Jerusalém distante, reavivando na memória das centenas e milhares de dorenses, através do canto de Verônica:— O vos omnes qui transitis per viam, attendite et videte si est dolor sicut dolor meus. O vos omnes qui transitis per viam, attendite et videte si est dolor similis sicut dolor meus. Attendite, universi populi, et videte dolorem meum si est dolor similis sicut dolor meus. (Ó vós todos que passais pelo caminho, vinde e vede se existe alguma dor como a minha dor. Ó vós todos que passais pelo caminho, vinde e vede se existe dor tão grande quanto a minha dor. Escutai, todos os povos, e vede a minha dor, se existe alguma dor como a minha dor). E sempre contextualizando os acontecimentos por belos e profundos sermões proferidos por: Frei Marlon Francis de Souza Moreira, Pe. Elissandro Jose Campos de Carvalho e Pe. Claudir Possa Trindade. A isso vale ser ressaltado a maneira abissal que foi proferido, pelo Pe. Alessandro, quando do Sermão do Encontro de Maria e Jesus, foi articulado todos os desvios de conduta da raça humana, mantenedora de tantas mazelas em que vive a nossa sociedade. Infelizmente a procissão do Enterro de Jesus, foi cancelada, devido à chuva, porém a mesma não arrefeceu o calor da fé dos que ali estavam, pois prontamente foi rezado e refletido, junto a imagem do Senhor dentro do esquive, no interior da Matriz, o terceiro mistério do terço “Mistérios Dolorosos”.
No sábado da Vigília Pascal, as chuvas não inibiram o número de fiéis, que numa intenção santa preencheram todas às acomodações da Matriz, para participarem das muitas leituras que sintetizaram a história da Salvação, desde a Gênesis até Ressurreição de Jesus, quando da proclamação do Evangelho de São Mateus. Em meio a tantas prédicas o que mais me impressionou foi a dimensão social à palavra de Cristo, dimensão essa que certos setores da nossa Igreja, ignoram, e que já se faz presente desde o Concílio do Vaticano II, o de que: não se pode ajoelha diante de um ícone e virar as costas para o que acontece no mundo. Temos que ser uma Igreja de saída, tal nos aconselha o Papa Francisco. Deus, em sua presença Trinitária, através de sua segunda pessoa “Jesus”, nunca fez, não faz e nem fará acepção entre crentes fervorosos e ateus incrédulos, entre pobres e ricos, mas ele faz acepção “sim”, entre opressores e oprimidos, entre os que burlam os fatos, para se apropriarem, para si, aquilo que é destinados a todos, o que vem gerando uma contradição pecaminosa à Boa Nova de Jesus: —“eu vim para que todos tenham vida e, que a tenham em abundância”, “eu tive fome e me deste de comer”, “eu tive frio e me deste o que vestir”.A isso podemos relembrar do belo sermão de Dom Helder Câmara, “Invocação à Mariama”, quando da Celebração da Missa dos Quilombos:— …Mariama, Mãe querida, é importante, que a Igreja de teu Filho não fique em palavras, não fique em aplausos. Não basta pedir perdão pelos erros de ontem. É preciso acertar o passo de hoje sem ligar ao que disserem. Claro que dirão, que é política, que é subversão., que é comunismo, mas eu digo— É Evangelho de Cristo! Claro que seremos intolerados. Mãe querida, problema de negro acaba se ligando com todos os grandes problemas humanos. Com todos os absurdos contra a humanidade, com todas as injustiças e opressões Mariama, que se acabe, mas se acabe mesmo, a maldita fabricação de armas. O mundo precisa fabricar é Paz. Basta de injustiça! Basta de uns sem saber o que fazer com tanta terra e milhões sem um palmo, para morar. Basta de uns terem que vomitar, para comer mais, e milhões morrendo de fome em um só dia, todos os dias do ano…
Então, Maria da Glória, a Rainha da Paz, mesmo sob a chuva fechou essa Semana repleta de acontecimentos Santos, a anunciar, em procissão rasoura, a Vitória de Jesus, através de sua Ressurreição. Para isso que foi instituída, pela Igreja, o Período Quaresmal, a Semana Santa, para que tenhamos a oportunidade que refletir, digerir, memorizar e colocar em prática os ensinamentos de Jesus, a Vida de Jesus, caso contrário a Páscoa será apenas um período de distribuir ovos de chocolate e congratulações vazias, como:—Feliz Páscoa!
Por João Bosco de Melo
Membro da PASCOM
Dores de Campos, 08 e 09 de abril de 2023
Fotos: PASCOM – Pastoral da Comunicação